O Paralelismo entre Os Lusíadas e Mensagem

Trabalho realizado por Francisco Tadeia, do 12º 10.

A palestra apresentada pela Professora Isabel Almeida sobre “O paralelismo entre Os Lusíadas e Mensagem”, no dia 13 de dezembro 2021 na ESVF, caracterizou a forte relação que existiu entre Fernando Pessoa e Luís de Camões, certamente dois dos maiores nomes da literatura portuguesa. Esta foi uma relação crucial para Pessoa, ainda que tenha sido vivida por ele de uma forma algo complexa. Não foi uma relação estabelecida a posteriori pelos estudiosos, mas sim procurada, fomentada e estimulada pelo próprio poeta, Fernando Pessoa.

Paralelismo20220202

Esta relação foi decididamente marcada por duas características dominantes - a competitividade e o desejo de superação. Pessoa desejava superar Camões, ultrapassar a sua grandeza e ocupar o seu lugar no “Pódio Literário” onde o poeta português do século XVI se havia estabelecido como protagonista.

Em abril de 1912, na edição Nº4 da segunda série da revista Águia, Pessoa afirma que se está a aproximar a altura em que a “figura primacial de Camões” será deslocada para um plano menor, sendo substituída por um outro poeta, um “Supra-Camões”.

Pouco tempo depois, em maio do mesmo ano, Pessoa reincide neste tema. Lê-se na edição seguinte de Águia, na página 15: “Supra-Camões? A frase é humilde e acanhada. A analogia impõe mais. Diga-se «de um Shakespeare» e dê-se por testemunha o raciocínio, já que não é citável o futuro.” Assim, o poeta modernista português inferioriza Camões novamente, não o considerando sequer um rival. Fala-se de Shakespeare como verdadeiro obstáculo.

A ideia de “empurrar” Camões - e Os Lusíadas, por arrasto - para um segundo plano, mantém-se na mente de Pessoa, chegando a tornar-se obsessiva. Apesar de chegar a admitir o mérito - o épico, apenas - do poeta quinhentista e da sua mais conhecida obra, não é capaz de lhe reconhecer como digna a veneração que tem recebido ao longo dos séculos.

Para Pessoa, era necessário rever os cânones literários portugueses e o lugar tanto de Camões como d’Os Lusíadas. Sobre isto, escreve, em fevereiro de 1924 no Diário de Lisboa, na página 3: “Camões não chegou para o que foi. Grande como é não passou do esboço de si próprio. [...] não foi grande bastante para os semideuses que celebrou”.

Pessoa justifica a sua tese afirmando que Os Lusíadas não foi o único poema épico da sua época. Dá o exemplo d’O Sucesso do Segundo Cerco de Diu, escrito por Jerónimo Corterreal, quase trinta anos antes da publicação do chef d'oeuvre de Camões e diz que outros poemas deste género foram surgindo.

No entanto, é inegável que Os Lusíadas de Camões assumiu um papel preponderante de hegemonia não só na literatura, mas também na própria cultura e identidade patrióticas portuguesas, tão queridas de Pessoa.

Seguindo a ideia que adotou, a de que nem Camões nem Os Lusíadas eram merecedores de tamanho louvor, Pessoa decide-se por um caminho diferente nas suas obras. Um exemplo deste distanciamento resulta da comparação entre um excerto presente n’Os Lusíadas, referente a D. Teresa, mãe de D. Afonso Henriques, e outro, presente em Mensagem, referente à mesma entidade.

A D. Teresa de Camões é altamente criticada. É apresentada como uma má mãe, cruel e pecadora, sem qualquer amor pelo filho (“a mãe, que tão pouco o parecia / a seu filho negava o amor e a terra” Lusíadas, canto III, estância 31, v. 3/4). Camões compara a mãe do primeiro rei português a figuras míticas, famosas por terem matado os próprios filhos, marcando ainda mais a atitude crítica com que a analisa (“Ó Progne crua, ó mágica Medeia! / Se em vossos próprios filhos vos vingais / Da maldade dos pais, da culpa alheia, / Olhai que ainda Teresa peca mais” Lusíadas, canto III, estância 32, v. 1-4).

Em Mensagem, o retrato desta figura histórica portuguesa é diferente. “D. Tareja”, como Pessoa a ela se refere, recuperando a forma histórica do nome e, talvez, sugerindo que o seu retrato de D. Teresa é mais autêntico e fidedigno do que a versão romantizada de Os Lusíadas, não é vista como uma má mãe.

A visão “pessoana” de D. Teresa é menos crítica e mais concisa: é apresentada em apenas quatro quadras. No poema “D. Tareja”, o sexto em Mensagem, Pessoa vê D. Teresa como uma “mãe de Reis e avó de impérios” (estrofe 1, v.-3), e pede-lhe que vele por Portugal, pois o “homem que foi teu menino / envelheceu” (estrofe 3, v.- 3/4). Aqui, Pessoa utiliza uma metáfora que se refere a Portugal, o menino é dos tempos de D. Afonso Henriques e o homem é no auge dos Descobrimentos. Agora, no tempo de Pessoa, encontra-se velho e decadente, e precisa de figuras fundadoras e maternais como D. Teresa para se reerguer.

A comparação entre as obras como Os Lusíadas e Mensagem permite descobrir várias diferenças, grande parte delas como resultado da competitividade pessoana em relação a Camões. Ambas patrióticas, as obras diferem, para além de, na sua leitura da História de Portugal (representação de D. Teresa), na própria conceção de heroísmo português.

N’Os Lusíadas, o heroísmo concretiza-se através da realização de esforços sobre-humanos e lendários (“aqueles, que por obras valerosas / Se vão da lei da morte libertando” Lusíadas, Canto I, estância 2, v.- 5/6)  e revê-se num Império que se espalhou desde a Índia ao Brasil.

Em Mensagem, o heroísmo português não é concreto mas sim abstrato, não é físico mas sim mental. O Império Português já não se revê em territórios e em conquistas. É um império ideológico, cultural e espiritual: o Quinto Império, que está ainda por vir.

Outra grande diferença entre Os Lusíadas e Mensagem é a linguagem que registam. Os Lusíadas apresentam “um som alto e sublimado, / Um estilo grandíloquo e corrente” (Lusíadas, canto I, estância 4, v.- 5/6), isto é, uma linguagem e tom épico; enquanto Mensagem apresenta uma poesia épico-lírica que oscila entre os momentos de grandeza e os de introspeção, com um tom menor.

No entanto, apesar destas diferenças e das tentativas de Pessoa se diferenciar de e superar Camões, Os Lusíadas e Mensagem apresentam as suas semelhanças.

Ambas as obras são poemas sobre Portugal e sobre os portugueses. Ambas exaltam o espírito patriótico lusitano e elevam-no a níveis quase divinos. Apresentam uma estrutura bem definida, seja ela composta pelos cantos e pela métrica decassilábica rigorosa de Camões ou pela divisão de Mensagem em três grandes partes (Brasão, O Mar Português e O Encoberto). Ambas evocam as memórias de um passado glorioso e preveem um futuro digno de lenda, mais que merecido pelo povo ilustre português.

Assim, concluímos, através da palestra e da análise, tanto d’Os Lusíadas como de Mensagem, que existiu uma relação de competitividade entre Pessoa e Camões. Ainda assim, e tendo em conta todas as diferenças resultantes dela e do desejo de superação, as duas obras apresentam um conjunto de semelhanças intertextuais que as unem e as tornam complementares, se não simbióticas, na medida em que se completam como pedras basilares da literatura portuguesa.

É quase irónico pensar que, depois de todos os esforços de Pessoa para se afastar de Camões, na sua única obra publicada em vida, estas encontram-se mais perto do que nunca. É essa mesma proximidade que lhes confere um estatuto superior ao que possuiriam separadas, tornando-as assim verdadeiramente características e dignas do povo, que com tanto amor elogiam e representam.

Bibliografia:

Pessoa, F. (1912, maio). Reincidindo. A Águia, 2ª série (nº5), 7-16.

Consultado a 31 de janeiro de 2022.

Disponível em: http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=09613.002.005

Pessoa, F. (1924, fevereiro 4). Luís de Camões glorificado pelos poetas da nossa terra. Diário de Lisboa, p. 3.

Consultado a 31 de janeiro de 2022

Disponível em: http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=05741.005.01146

Os Lusíadas. A maior obra épica portuguesa completa e com todos os seus cantos. Consultado a 20 de janeiro de 2022.

Disponível em: https://oslusiadas.org/i/

Pessoa, F. (1934). Mensagem. Lisboa: Parceria António Maria Pereira.

Consultado a 31 de janeiro de 2022.

Disponível em: https://bibliotecaparticular.casafernandopessoa.pt/8-435/1/8-435_item1/index.html?page=1

 

ES Vergilio Ferreira